"O peso que ninguém vê - parte final" ou "Já que ninguém vai fazer por nós, o que a gente pode fazer entre nós?"
- Beatriz Facio
- 7 de mai.
- 4 min de leitura

“Você precisa delegar.”
Como se delegar fosse mágica.
Como se delegar resolvesse alguma coisa, já que o outro só age se for instruído como uma criança de cinco anos numa gincana com roteiro impresso.
Você pede.
Explica.
Repete.
E mesmo assim: o lixo fica no chão, a comida vai pra geladeira na panela, quente, sem tampa, o ralo continua entupido.
E ainda te perguntam por que você está estressada.
Aí você explode. Ou implode.
Mas não antes de ouvir que tá exagerando, que tem que relaxar, que “é só pedir”.
Só que a verdade é que ninguém quer pedir tudo o tempo inteiro.
Pedir já é trabalho.
Organizar é trabalho.
Pensar é trabalho.
E aí, além de fazer quase tudo, você ainda tem que administrar o outro adulto.
Micromanaging não é falha. É sintoma.
É o resultado de anos tentando equilibrar um sistema onde você pensa por todo mundo.
É o que acontece quando você sabe que, se você não fizer, não vai ser feito — ou vai ser feito mal feito e você vai arcar com as consequências.
Mas mesmo assim dizem que você quer tudo do seu jeito. Quando, na real, você só queria descansar sem ter que consertar tudo depois.
E o pior é que, no meio disso tudo, você ainda se culpa.
Porque a culpa é a cereja do bolo estrutural.
E aí? A gente já entendeu que não foi sempre assim. Que isso tem história. Que isso tem nome. Que isso tem estrutura.
Agora, o que a gente faz com isso?
Porque esse texto não vai limpar sua casa.
Não vai ensinar seu parceiro a pensar.
Não vai devolver seu sono nem garantir que amanhã alguém resolva uma das tarefas.
Mas talvez ele te lembre do que você já sabia e tinha esquecido: "você não está louca. Você não tá sozinha. E você não precisa carregar calada. "
Essa é a semente.
Talvez você esteja lendo esse texto e pensando: “Tá. Essa pessoa aqui botou fogo no parquinho, esfregou o problema na minha cara e agora vai terminar o texto assim? É só isso?”
Calma, eu entendo. Você quer solução! Mas a pergunta é: de que tipo?
Porque solução, às vezes, vem com nome de tarefa. E tem dias que tudo o que a gente quer é colo, não checklists.
Mas tá. Vamos lá. Porque reconhecimento é potente e prática também é.
E algumas ideias práticas não vão ferir ninguém.
Aqui vão algumas possibilidades, pra gente começar, sem ilusão de perfeição:
Primeiro e mais importante: pare de dizer “Você pode me ajudar com as tarefas de casa?” Não é ajuda. Não é um favor. Também é responsabilidade da outra pessoa, porque também é a casa dela, a relação dela, o filho dela.
Em vez disso, diga: “A gente precisa dividir as responsabilidades, vamos decidir a forma.” As palavras importam. Elas moldam expectativas.
Nomeie o que você faz. Fale em voz alta. Liste. Mostre. Não como cobrança, mas como clareza. O que é invisível continua sendo ignorado.
Escolha uma conversa: aquela que você tem adiado. Marque com calma, escreva antes, se quiser. Explique o que você sente, não só o que falta.
Solte um item da lista. Um. Pode ser a roupa mal dobrada ou a mochila sem etiqueta. O caos precisa de fresta pra entrar, mas também pra sair.
Pergunte pra uma amiga se ela também sente isso. E se sentirem parecido, pensem juntas em algo. Uma troca. Uma rede. Um combinado.
Marque um “encontro de mãe cansada”. Um dia, uma hora, um lugar com segurança emocional. Pode ser com café, pode ser com raiva. Se puder, leve esse tema pra uma roda, uma aula, uma sessão de terapia, um post. O que vira conversa, vira consciência coletiva.
Compartilhe essa série nas suas redes sociais e grupos. Vamos espalhar para gerar conversas e ampliar a conscientização.
Se não der pra fazer nada agora, tudo bem. Você pode guardar esse texto e voltar nele depois. Quando tiver força. Quando quiser usar. O que importa é saber: você não tá sozinha nesse desconforto e não precisa estar sozinha na tentativa de mudar.
Agora sim. Agora me diz: qual o primeiro peso que você vai soltar ou pelo menos nomear hoje?
E antes que eu termine esse texto, deixa eu te contar: teve uma hora, escrevendo tudo isso, que eu percebi que tava falando só com quem já entendeu o problema.
Com quem já sente o peso, já conhece a exaustão, já chorou escondida na pia.
Mas e quem divide a casa com você?
Quem dorme do seu lado?
Quem diz que quer ajudar, mas se atrapalha com duas tarefas simples?
Quem acha que “tá tudo bem” mesmo quando você já virou estatística de burnout emocional?
Pois é. Tem muita coisa que precisa ser dita pra eles.
Então o novo bloco vem por aí porque "nem todo homem, mas..." Tem sempre alguém que te olha tentando entender por que você vive cansada, mas nunca pensou em quem organizou as últimas 132 decisões invisíveis da casa.
A próxima conversa vai ser com eles.
Mas hoje… hoje foi com você.



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