O peso que ninguém vê (parte 2) ou: "Quem ensinou que o cuidado era sua obrigação?"
- Beatriz Facio
- 27 de abr.
- 2 min de leitura

Você nasceu em um mundo que já havia decidido quem cuidaria de quem.
E acredite: isso não foi por acaso.
Durante séculos, o trabalho de cuidado — alimentar, limpar, parir, apoiar — foi visto como uma extensão natural da vida familiar.
Mas foi a partir da Revolução Industrial que a divisão entre "trabalho produtivo" e "trabalho doméstico" se aprofundou de vez, especialmente nas classes média e alta.
Enquanto os homens eram empurrados para as fábricas, o cuidado ficava confinado às casas e era rebatizado de “vocação feminina”, em vez de ser reconhecido como trabalho real.
O que antes era comunitário e compartilhado virou uma responsabilidade solitária.
A casa virou “lar”.
A mulher virou “dona do lar”.
O tempo virou relógio.
E o mundo decidiu: "Trabalho" é o que acontece fora.O que acontece dentro é só obrigação da mulher.
E o cuidado passou a ser vendido como algo “natural”.
Como se fosse instinto e não construção.
Não era uma escolha. Era uma estratégia social.
Manter uma mulher em casa significava que o homem podia trabalhar mais, produzir mais, lucrar mais. Tudo sem precisar lavar roupa, cozinhar, cuidar de criança.A mulher virou infraestrutura invisível.Mas ninguém chamou isso de trabalho.Chamaram de “vocação”.
E assim nasceu o mito da mulher virtuosa: incansável, doce, organizada, devotada.
Aquela que cuida simplesmente porque "nasceu para isso".
O famoso "instinto materno".
(Spoiler: não é instinto. É construção. E é muito, muito conveniente — para os outros.)
E aí fica a pergunta:
Se era tão "natural", por que tivemos que lutar tanto para sair disso?
Entre os anos 1960 e 1970, a imagem da mulher perfeita começou a rachar.
Com a segunda onda do feminismo, vieram as lutas por direitos civis, autonomia, liberdade sexual, planejamento familiar, igualdade no trabalho.
E sim, veio também o símbolo que tanta gente tenta ridicularizar até hoje: a queima dos sutiãs.(Que, na verdade, nem aconteceu como uma grande queima pública — mas virou símbolo mesmo assim.)
E virou piada: "Essas mulheres bravas, descontroladas..."Só porque queriam existir sem precisar se anular."
Mas a entrada no mercado de trabalho não veio junto com a divisão justa das tarefas em casa.Veio com acúmulo.
Agora a mulher trabalha fora e dentro.
Ganha menos.
É julgada mais.
E ainda se pergunta se está sendo uma boa mãe.
E quando ela desmorona?
A culpa cai sobre ela.
"Talvez você tenha escolhido errado."
"Quem mandou querer tudo?"
O sistema não mudou.
Só foi reempacotado com filtro bege, frases de autocuidado e slogans como:
"Você pode tudo, se organizar direitinho".
Fica bonito no Instagram.
Mas na vida real?Você continua exausta.
Então me conta:
Quantas vezes você deixou de descansar só pra garantir que algo fosse feito “do jeito certo”?
No próximo texto, você vai ver como essa sobrecarga vira rotina, por que a culpa sempre cai no colo de quem mais tenta e como começar, mesmo que aos poucos, a sair desse ciclo.



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